terça-feira, 19 de agosto de 2008

Oficina do ser

Eu me lembro de imaginar certa vez como seria minha vida, pensar em como eu seria.
Enquanto meus colegas, as outras crianças entusiasmadas diziam coisas como: Quero ser um bombeiro ou talvez um policial, vou ser médico ou então motoqueiro, quero ser professor ou talvez jogador de futebol, enfim, um mundo de dúvidas e expectativas a respeito de quem elas seriam, de qual papel exerceriam na sociedade.
Ouvia meus professores estimulando os estudos para que aquele sonho se tornasse realidade...
Mas diferente de todas as outras crianças, no meu íntimo eu tinha certeza de que me tornaria um desenhista. Então, ao invés de ficar imaginando o que estudaria, ou que caminho eu precisaria percorrer, eu simplesmente tinha certeza. Sempre imaginei um escritório com uma grande janela de vidro, de onde eu poderia ver os carros passando na rua. Sabia que eu teria uma prancheta e que na minha sala haveriam quadros incríveis pendurados na parede.
Sabia também que não sería apenas uma coisa. E que haviam muitas pessoas que eu poderia ser.
A falta de dúvidas a respeito de quem eu sería, me levou a ficar curioso sobre COMO eu sería! Me fez pensar no tipo de homem que eu um dia viria a ser... Presente ou ausente, respeitado ou desprezado, tinha preocupação sobre o que pensariam de mim. O que diriam a meu respeito quando eu estivesse ausente.
Este pensamento me conduziu ao espelho, me fez me enxergar como eu era, e a desejar intensamente me tornar alguém diferente.
Então olhava aquele rostinho de criança e esperava ansioso ver minha barba crescer, e os cabelos longos que eu queria ter. Me lembro de um personagem de um antigo seriado, chamava-se O juiz, nele havia um homem que embora tivesse uma profissão que exigia um ar respeitoso, conseguia após o expediente soltar o cabelo, vestir um jeans e viajar pelo mundo com sua moto envenenada.
Curiosamente nunca pensei em ser Juiz, mas pensava em ser livre, como aquele homem era. Mas o que me aproximou daquele personagem, nunca foram os cabelos longos ou a motocicleta, havia na verdade uma única coisa que me tornava semelhante a ele. Havia algo que me fazia sentir igual a ele.
Percebi que por ser diferente dos seus comuns, por pensar tão diferente de seus colegas, e por não ter desejos e ambições semelhantes ou iguais, aquele juiz era um homem solitário, e nisto ele era exatamente igual a mim.
Eu imaginei ter todas aquelas qualidades fortes e positivas, coisas que fariam de mim alguém especial para outras pessoas, buscando desesperadamente vencer a solidão.
Na adolescência sonhava apenas que todos dissessem que eu era um cara muito louco, na época eu ainda não havia me dado conta de que isto sería inevitável...
Haviam em mim muitas qualidades, mas a medida que o tempo foi passando, poucas eram as que eu conseguia preservar incorruptíveis...
E todas as possibilidades que eu enfrentava e todas as pessoas que eu poderia ser ficavam reduzidas mais e mais a cada ano.
Ate finalmente ficarem reduzidas a uma única pessoa.... a quem eu sou.
E depois de tanto tempo, descobri que tudo na minha vida pode sempre mudar!
Foi lembrando daquele personagem que entendi que posso deixar de ser quem sou ou mudar totalmente como sou, mas há uma única coisa que nunca soube como mudar.